O mar
Acordo na madrugada e não mais consigo dormir. Enrolo-me nas cobertas, embora faça calor, e me encolho todo. Agora, além de insone estou encharcado de suor. Em desespero tento o velho truque da concentração em uma palavra, que vou repetindo, compassadamente, à exaustão. Também não dá certo e, dali a pouco estou detestando aquela pousada, de tão agradáveis lembranças e associações. Reza? Nem pensar. Criado no catolicismo, sabia todas de cor mas, a partir da adolescência contestadora, fui esquecendo um pedaço desta, aquela por inteiro e, ao cabo de poucos anos, nem Ave-Maria me era possível levar até o fim.
De repente, no silêncio da noite, um ruído, ao longe, me chega aos ouvidos. Levanto-me e saio em direção ao som que me atrai. Desço uma rua longa, com luzes brilhando nas pedras irregulares do calçamento e já agora percebo que, à medida que me aproximo do fim da viela, o ruído se transforma em estrondo forte. Ao contornar uma curva, deparo-me com o mar que, de ressaca, atira-se implacável contra a encolhida areia da praia. Aproximo-me, até quase ser tocado pelas águas e aí me sento para apreciar o espetáculo. O verde escuro, batido pela fraca iluminação da rua, assume variedades de tons que se misturam às franjas brancas de espuma, tecendo verdadeiras rendas nas cristas das ondas. Intermináveis túneis vão se cavando, logo abaixo do topo das vagas e percorrem toda a extensão da praia, lançando-se sobre ela, formando grandes valas que logo se transformam em extensas e rasas piscinas. A água banha meus pés. Sua temperatura é morna e acolhedora. O vai-e-vem das ondas é contínuo e o barulho começa a me embalar. Deito-me e deixo-me envolver. Tenho visões ciclópicas. Sinto-me, sultão, cavaleiro andante, selvagem de perdidas ilhas do Pacífico. Sou rei de uma terra onde as injustiças não existem e onde a palavra violência sequer consta dos dicionários. Derroto dragões e ofereço minhas vitórias à amada. Velejo tranqüilas lagoas, em barco todo branco, que comando, qual velho e experiente marinheiro ou então me espreguiço ao sol morno e maravilhoso, preparando-me para inebriantes mergulhos. Sou Netuno, comandando com meu poderoso tridente, os humores do mar e a vida de seus habitantes. Estou em transe e dele apenas saio quando a água já me cobre os ouvidos. Quero assim continuar, mas a maré me puxa, com doçura, para o mar. Levanto-me, totalmente anestesiado. Penso ainda ver cavalos-marinhos circulando a minha volta, mas percebo que a euforia vai dando lugar à realidade.
A distância de volta ao quarto agora me parece mínima. É como se eu flutuasse. Subo as pequenas escadas, vagarosamente, empurro a porta, atiro-me sobre a cama e, antes que possa avaliar o que comigo se passou, mergulho no mais profundo, acolhedor e paradisíaco de quantos sonos já pude desfrutar em toda a minha vida.
Acordo na madrugada e não mais consigo dormir. Enrolo-me nas cobertas, embora faça calor, e me encolho todo. Agora, além de insone estou encharcado de suor. Em desespero tento o velho truque da concentração em uma palavra, que vou repetindo, compassadamente, à exaustão. Também não dá certo e, dali a pouco estou detestando aquela pousada, de tão agradáveis lembranças e associações. Reza? Nem pensar. Criado no catolicismo, sabia todas de cor mas, a partir da adolescência contestadora, fui esquecendo um pedaço desta, aquela por inteiro e, ao cabo de poucos anos, nem Ave-Maria me era possível levar até o fim.
De repente, no silêncio da noite, um ruído, ao longe, me chega aos ouvidos. Levanto-me e saio em direção ao som que me atrai. Desço uma rua longa, com luzes brilhando nas pedras irregulares do calçamento e já agora percebo que, à medida que me aproximo do fim da viela, o ruído se transforma em estrondo forte. Ao contornar uma curva, deparo-me com o mar que, de ressaca, atira-se implacável contra a encolhida areia da praia. Aproximo-me, até quase ser tocado pelas águas e aí me sento para apreciar o espetáculo. O verde escuro, batido pela fraca iluminação da rua, assume variedades de tons que se misturam às franjas brancas de espuma, tecendo verdadeiras rendas nas cristas das ondas. Intermináveis túneis vão se cavando, logo abaixo do topo das vagas e percorrem toda a extensão da praia, lançando-se sobre ela, formando grandes valas que logo se transformam em extensas e rasas piscinas. A água banha meus pés. Sua temperatura é morna e acolhedora. O vai-e-vem das ondas é contínuo e o barulho começa a me embalar. Deito-me e deixo-me envolver. Tenho visões ciclópicas. Sinto-me, sultão, cavaleiro andante, selvagem de perdidas ilhas do Pacífico. Sou rei de uma terra onde as injustiças não existem e onde a palavra violência sequer consta dos dicionários. Derroto dragões e ofereço minhas vitórias à amada. Velejo tranqüilas lagoas, em barco todo branco, que comando, qual velho e experiente marinheiro ou então me espreguiço ao sol morno e maravilhoso, preparando-me para inebriantes mergulhos. Sou Netuno, comandando com meu poderoso tridente, os humores do mar e a vida de seus habitantes. Estou em transe e dele apenas saio quando a água já me cobre os ouvidos. Quero assim continuar, mas a maré me puxa, com doçura, para o mar. Levanto-me, totalmente anestesiado. Penso ainda ver cavalos-marinhos circulando a minha volta, mas percebo que a euforia vai dando lugar à realidade.
A distância de volta ao quarto agora me parece mínima. É como se eu flutuasse. Subo as pequenas escadas, vagarosamente, empurro a porta, atiro-me sobre a cama e, antes que possa avaliar o que comigo se passou, mergulho no mais profundo, acolhedor e paradisíaco de quantos sonos já pude desfrutar em toda a minha vida.
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